quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Morte por acordeão


Morri pela música e já não sei escrever.
Para onde olhas?! Pelo que procuras!?
Eu!... Aqui!...
Eu, sem música
(é certo...)
sem sorriso,
(bem sei...)
sem verdade,
sem saber que me sobra para ter que morrer assim: o tenebroso som do teu olhar.
Que a morte me merece, mas não assim que ainda me mata mais pensar de ver passado em ti: seca-se-me a garganta, falha-se-me o ar e o teus olhos imperiais de rainha de copas, impõem-se-me e ordenam-me:

                          morte por acordeon!



sábado, 4 de dezembro de 2010

Pilar, José e o Amor


O estereótipo de há cinquenta anos rezava: “Casaram-se e foram felizes para sempre.” O estereótipo contemporâneo preconiza: “Casamento, pantufas, aborrecimentos.” Um estereótipo não é melhor, nem mais inteligente, do que o outro – a ideia de que os casamentos estão condenados ao tédio só parece mais brilhante do que aquela que toma a felicidade como um dado adquirido porque o pessimismo dá sempre uns fumos de ilustração aos seus praticantes: quem futura em negativo passa facilmente por lustroso cérebro, porque há sempre um desastre ao virar da esquina – e muito mais mirones para o desastre do que para a alegria. As relações nascem muitas vezes mortas por falta de fé – falta-nos amor por esse amor que é como uma espécie de terceira entidade gerada pela atracção entre dois seres e que precisa de ser estimado como milagre concreto.
(…)
Aprende-se a amar caindo, falhando, errando muitas e muitas vezes. Até ao momento em que ficamos prontos para ser felizes para sempre. Há é pouca gente para dar por isso.

Inês Pedrosa
in Revista Única

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Quanto custa?



Custa acordar a pensar: Custa pensar em como gostar depois de GOSTAR e por isso, custa a andar. Custa a andar quando andar é deambular. Custa atravessar a cidade olhando o chão, olhando o frio a sair da boca e custa ver tudo isto, sem realmente ver nada: Custa não saber. Custa ficar de pé num metro a ouvir o silêncio porque o que custa, é recordar agora que o que ouvia, era o silêncio e custa admitir que perdi o tempo e o espaço e segui sem sair. Custa que as portas se fechem e não me aperceba que fecham. Custa voltar atrás quando se está atrasado. Custa almoçar a trabalhar ao som da mais maravilhosa música e quase que custa não me aperceber que me levantei enquanto falavam para mim. Custa que não me custe os olhos que me seguem incrédulos por me levantar, porque não percebem que não os ouço, e isso, custa-me. Custou-me quando me dirigi ao sotaque francês e perguntei que maravilha estava a ouvir. Custa sorrir ao sourire só para responder de igual forma ao sorriso. Custaria ouvir o propriétaire dizer que isto, não se ouve, não se compra, nem se vê em mais lado nenhum... custaria! Não fosse eu teimoso e procurasse até ao fim do mundo (que isso já não me custa) por uma música assim. Mas custa-me que a única razão de uma música assim ser assim, ser para querer oferecer uma música assim... Custa-me que me levante, que deixe de ouvir e de ver, que deixe de tudo, porque num sopro de vontade e esperança, quis que ouvisse o que ouvia. Custa-me que queira partilhar assim e custa-me um bocadinho muito mais só porque a música já acabou. Mas aquilo que mais custa, é ter a noção do quanto custa e, talvez por isso, custar ainda mais... custar tanto como receber, no dia que custa muito, novidades que não são novidades, mas que custam. E quanto custa tudo isto? Custa muito...








PARTE 2




segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sou quem quiserem mas serei quem eu quiser





Não existimos pelo que somos mas pelo que nos fazem.
Cá dentro, não somos nada sem os outros e por isso, somos o que dizem.
Não somos o que dizemos, somos o que ouvem de nós.
Deixamos que sejamos os outros, somos a interpretação dos outros pelos outros.
Não somos o que escrevemos, somos o que lêem de nós.
E eu, sou quem me dizem ser, enquanto me importar ser quem os outros dizem.
Sou-o, até me importar ser o que os outros dizem eu ser, para então ser eu, por mim.
E tu, és quem te dizem seres, até te importares seres quem os outros dizem.
Até te importares que sejas o que os outros dizem seres, para seres tu, por ti.
Eu, sou o que me lêem, o que me imaginam, o que me escrevem e o que me dizem que sou.
Mas sou-o, porque me importam os outros... sou-o, só porque o dizem.
E volto a sê-lo só mais desta vez:


Obrigado a ti... que me leste





terça-feira, 9 de novembro de 2010

bicho... da conta.




Volto a mim, ao que sempre fui, para partir, assim, em mim. Fecho-me ao mundo que não me merece, a mim, ao meu. Alda da razão, do saber pelo não chegar, do desgosto pelo não querer, pelo sorriso solitário e a ausência do físico. A minha cabeça é o meu querer, a minha vontade é o meu ser, a minha palavra mostra a ignorância dos outros pelo não saber: estúpida! Estúpida palavra que não sabe, nunca soube, não vai sequer saber nem viver.
Bichos! Bichos do mar que me afogam, bichos da conta que me enrolam, me fecham, me fazem querer estar só, como eles, de patas com patas e cinzento nas costas, na vida. Riscas dorsais que me ferem, chagas que marcam a nascença de um bicho da conta. Vou. Venho. Chego. Parto e parto e torno a partir. Despeço-me à vida e ao mundo, à unicidade, às palavras, deixo as palavras e guardo o silêncio: Eu sou silêncio, eu sou O silêncio, eu sou o tudo do nada que não já não é meu. Eu sou o nada que tive tudo, por isso parto. Não por isso, mas parto, rumo ao tudo, sem nada, em mim, ao meu.
Hoje sou teu. Por um dia sou teu, por um momento sou teu, quieto, ausente, em mim, em conta com a conta do bicho da conta que vive no mar e me afoga pela vista. Ontem fui teu. Por um dia fui teu, por um momento fui teu, quieto, ausente, à espera, em mim. Amanhã... amanhã, minha cara Babilónia, amanhã sou meu! e nem num cabelo me tocas!



domingo, 7 de novembro de 2010

ultima noite



naquela noite, havia qualquer coisa de diferente. O silêncio, naquela noite, parecia impor-se cruelmente: não havia presença. naquela noite, a vontade ficava com as mãos: nos bolsos. A beleza era muda eu era mudo a noite era muda, naquela noite, o toque era surdo. Não havia fome naquela noite. A música era quase perfeita porque era só, porque era só e era só música e eram lágrimas daquelas noites. Os regressos, naquela noite, pesavam tanto que demoravam mais. Os Bichos, mais bichos nessa noite, pressentiam aquela noite, rossavam-se num lamento daquela noite: sentiam.
naquela noite, os beijos não eram beijos: toques de lábios amorfos. não sentidos.
naquela noite o toque da pele não sentido: escondido e fugidio. tímido.
naquela noite, o carinho tão tímido que se tapava a si próprio de vergonha daquela noite. 
A vergonha da solidão daquela noite.
naquela noite, esperou-se, esperou-se, tornou-se a esperar uma última vez, olhou-se, olhou-se, tornou-se a olhar mais uma última vez, esperou-se e olhou-se e nada. naquela noite, havia qualquer coisa de diferente mas que há muito era igual.
Naquele Dia, fui-me embora.



sexta-feira, 5 de novembro de 2010

(sem título)




Nesta vida, a única que nos deram e teremos, apenas uma coisa custa: Viver.
Com ela, com esta acção impiedosa que não dá tréguas a quem a renega, o mau sabor, a dor, é em admitir que vamos perder. Em nos conformarmos que não seremos os primeiros, em admitir a custo que não somos a maior inteligência e saber.



quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Então e o nosso Benfica?



Há todo um questionar da escrita pela qualidade das letras. Há livros ditos bons e ditos maus. Textos pessoalmente zinhos e pedaços de genialidade em palavras. Depois, há um fenómeno que não consigo bem explicar: o intercâmbio social pelos jornais desportivos.
É sabido que se há assunto em que todos podemos opinar, e até devemos, é o Benfica. Foi inclusive eleito esta semana, finalmente, como o melhor desbloqueador de conversa/quebra de momento embaraçoso, a frase, "então e o nosso Benfica?", mas a possibilidade de iniciar um qualquer contacto através de um jornal desportivo é simplesmente fascinante e digo-o sem qualquer tentativa sarcástica ou pretensão intelectual.
- Bom dia. O Sr. desculpe... importa-se que dê uma leitura?
E daqui podemos falar do braga, de Braga, do orçamento de estado sintetizado num parágrafo entre a análise do próximo clássico e reportagem sobre a nova namorada do Ronaldo, ou de todo o país resumido numa palavra, do Benfica.
A mim é que nunca ninguém me pediu o meu Peixoto.



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

a chave da babilónia





O desejo de chegar e tirar aquela gravata que o sufocava crescia. Com ela, a vontade de fumar um cigarro e tornar a respirar a casa. Enquanto caminhava, a chuva caia-lhe sem saber ou, simplesmente, por não se importar. Era quarta-feira.
Ela chegava sempre ás sete e meia e, naquele dia, tudo se mantinha como sempre. Ele tinha-lhe dado as chaves do apartamento, inicialmente, sob uma qualquer desculpa sobre segurança ou de possível necessidade prática futura, mas ambos sabiam o verdadeiro significado daquela chave. Ambos sentiam o peso que ela acarretava.
Estava a acabar o seu primeiro cigarro, debruçado na janela sobre o trânsito, quando ela tocou. Ela tocava sempre.
No final, pela primeira vez, ele pediu-lhe que ficasse, e ela, pela primeira vez não quis ficar.
-Deixo as chaves ao pé da comida do gato. E saiu.
No dia seguinte, ás sete e meia, ninguém tocou... tocou ás oito.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os cinco heterossexuais do Restelo

Café. Quatro da tarde num ainda sol quente de Outono: Hoje. A minha mesa: eu, o meu livro e o meu café. A outra mesa: cinco e as conversas de aspecto de muitos anos.
Passa um rapaz já homem, alto, atlético, de cintura das calças no fim das nádegas, provavelmente para as enaltecer, roupa interior rosa choque cuidadosamente toda à mostra de todos, suspensórios nos ombros nus de um tronco nu propositadamente trabalhado, cuidadosamente tratado e tatuado. Cabelo rapado e óculos de sol da moda à frente dos olhos que olhavam o chão a passar rápido enquanto caminhava num saltitar ritmado.
Os cinco: "Este gajo devia ser preso. Este gajo devia ser preso e morto!".

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

20 de Outubro



O dia da mãe é como o Natal: quando um homem quiser. Mas a sério. É como uma comum fraca desculpa para uma horrível tomada de consciência de que temos uma mãe.
Mas que chatice! Hoje a minha mãe faz anos. Que faço? Que digo? mas, principalmente, que compro?... Ainda por cima joga o Benfica...
A minha mãe é a Brigitte Bardot meets Marylin Monroe, sem as saias a esvoaçarem numa conduta de ar e com um vestido da Custo. A minha mãe tem um coração do tamanho do estômago e um estômago do tamanho do coração. A minha mãe e eu nem sempre nos entendemos e eu, não sei parar e dizer que gosto muito dela, não só porque é minha mãe, mas porque é uma mulher extraordinária. Coisas de filho, que "coisas de filho", por enquanto, servem de desculpa. A minha mãe reformou-se da profissão de super-mulher e vive do não reconhecimento disso. A minha mãe irrita-me 3 vezes por dia porque eu sou igual à minha mãe que é igual ao pai da minha mãe, a quem, dizem, eu sou muito parecido. A minha mãe, por ser minha mãe, é a melhor mãe do mundo e digo isto desta forma infantil porque sei que, todos os dias, ela gostava que eu tivesse novamente 8 anos e a abraçasse daquela forma. A minha mãe não me pede desculpas e eu não lhe peço desculpas a ela, porque, entre nós, eu a minha mãe nunca nos enganamos e temos sempre razão. A minha mãe gostava que eu tivesse sido uma filha, ou que o meu irmão fosse uma filha, ou que tivesse tido uma filha, mas talvez por isso, eu sou a mais filha dos filhos da minha mãe.
Hoje a minha mãe faz anos por isso, eu hoje faço anos: obrigado por me tornares no que sou, por seres quem és e por me aturares 3 vezes ao dia todos os dias.
Se calhar preferias um poema, um texto lírico ou umas rimas bonitas. Mas mãe... és tu.




Parabéns Mãe!

Retrato de Mónica




Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.


Sofia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Gago




Há delas respostas com prazo de validade.
Afirma-se o mundo, as entranhas e a pessoa. Fala-se de tudo, que, dizem, é sempre fácil. Mas não é. Não é fácil falar e dizer nada, quanto mais tudo. Não só não é fácil, como parece ser impossível fazer passar o ar certo pela traqueia e tornar-nos audíveis no som que queremos. Pensar sim, é fácil e, por vezes, pensamos tanto que pensamos que já dissemos o que pensávamos. Outras pensamos: diz diz diz diz, e calamo-nos. Escrever também o é. Porque escrever é pensar e falar ao mesmo tempo, escrever é dizer e responder e perguntar e tornar a responder por nós à nossa própria pergunta, no nosso próprio cenário, na nossa imperfeição perfeita, na nossa ideia singular: única, porque não existe.
Mas, até para as nossas perguntas, existe um prazo de validade. Até a (minha) hesitação tem valor e, a resposta, tem 30 segundos de vida.
Queres!?   v i n t e   e   n o v e    s e g u n d o s   d e   e s p e r a   e.... SIM! (ou não)
Vens!?   v i n t e   e   n o v e    s e g u n d o s   d e   e s p e r a   e.... SIM! (ou não)
Ou não, que o sim é sempre mais poético. Que o sim vive nas (minhas) folhas de papel virtuais, na (minha) cabeça que parece mandar na hesitação e diz que, a inconstância do vacilar, o titubear da mente pelas não palavras em um, dois, três, os que forem segundos, são o cambalear da mente inconstante.
Para a hesitação, já bastam os corações que balbuciam o mundo numa gaguez que (me) mata.


há há há de-de-de-las re-re-re-spo-po-pos-tas co-co-com pra-pra-pra-zo de va-va-va-va-li-li-li-da-da-de...



e estro?

escrevo escrevo escrevo
                                     e apago,
escrevo escrevo escrevo
                                     e rasgo,
escrevo escrevo escrevo
                                     e risco,
escrevo escrevo escrevo
                                     e branco,
escrevo escrevo escrevo
                                     e nada,
escrevo escrevo escrevo
                                     e lixo,
escrevo escrevo escrevo
                                     e desenho,
escrevo escrevo escrevo
                                     e escrevo!
escrevo escrevo escrevo
                                     e repito...



segunda-feira, 18 de outubro de 2010

segunda-feira





É segunda-feira, talvez por isso, a minha mulher se lembre melhor de todos os dias. Segunda-feira é um dia que a minha mulher associa a todos os dias. Se, numa conversa, alguém diz: todos os dias, a minha mulher pensa numa sucessão infinita de segundas-feiras. Sexta-feira é véspera de fim-de-semana e, por isso, é um dia diferente. Sábados e domingos são dias diferentes. Terças, quartas e quintas são dias próprios em que acontecem coisas próprias de acontecer às terças, quartas e quintas. As segundas-feiras são dias correntes, anónimos. São todos os dias.



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

V



porque o meu siso passou a ser o teu,
o teu sorriso passou a ser o meu!
porque és sábia em tudo, mesmo no nada,
és o conforto da minha alma apaixonada.
porque és o amor em forma de abraço,
uma alegria constante e nunca um cansaço,
porque assim o ficas todos os meus dias:
se não estivesses noiva, era comigo que ficarias.
mas porque és grande, enorme, gigante de ser!,
já encontraste o teu merecido amor e querer.
E agora são dois, os que me fazem sentir,
o que é andar constantemente a sorrir.
Um verdadeiro amigo é-o naquilo que não se vê,
por hoje, por ontem, por tudo: PARABÉNS V.

(noivo J: a parte do "era comigo que ficarias", é só para rimar...)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

tumulto



o centro da cidade. Era a última pessoa para a qual estava preparado para encontrar e só por isso, o meu coração bateu numa única contracção de segundos. Fiquei completamente atónico de a ver. No primeiro piscar de olhos sorri, peguei na mão dela sem dono, no braço dela abandonado e entregue ao vento e pu-la no meu peito. Perante toda aquela multidão babilónica, por entre gritos e apitos e buzinas de carros, perguntei-lhe baixinho:
- sentes?
o silêncio dela.
- pela primeira vez apresento-te-me calmo, sem borboletas ou palpitações.
o silêncio dela e um olhar. Com medo de mais palavras, apenas belas quando improvisadas em folhas de guardanapos perdidas, perguntou-me:
- porque não me abraças?
e os carros pararam. Os condutores saíram e olharam para mim. Os passageiros saíram e olharam para mim. Todas as pessoas na rua pararam e olharam para mim. As varandas encheram-se a olhar para mim. O vento passava lento a olhar para mim. O enorme silêncio que olhou para mim. O fim do dia parou a olhar para mim. O silêncio do mundo parado à minha volta continuava a olhar para mim. O meu coração, enquanto olhava para mim, respondeu:
- porque queria que me abraçasses de volta.





terça-feira, 12 de outubro de 2010

oração



Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque minha força é imortal.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

caixa





caixa que te agitas,
que te mexes e espevitas,
pelo ruidoso barulho que transbordas,
és a caixa de tudo que me acordas.
embalas-me em tormentas,
não me fazes nem me pensas.
a caixa que faço para voltar ao mundo,
não me deixa viver nem um segundo.

domingo, 10 de outubro de 2010

10.10.10




A perfeição é transparente.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

p . . . . . l . . . . . a . . . . . n . . . . . o






              hoje não existo,
              não sou eu!


                                                                       não sei sequer quem sou.


                                     hoje,


                                                           como ontem,


                        como no dia anterior,


                                                                                              como todos os dias até então,


apenas plano.


nem ao menos voo:

plano!


                           não sinto,
                           não estou,
                           nem sou.


                                                                              nem sei:


plano.


                          engulo o ébrio para voar um pouco,


                                                                         ingiro o fumo que me voa mais um pouco,
                                                                         depois:


                                       f
                                        l
                                    u
                                      t
                                   u
                                     o,


                      para apenas planar de mais alto.


                                                                               hoje não existo mais um pouco:


e plano.


                          hoje gostava de saber escrever.

                                                                                     de conseguir falar.


                        de conseguir ser pelo não saber e descer à terra a dois palmos de mim.


                                     gostava de voltar a ser gente: ignorante e livre gente.


               gostava de ser cíclico,
               de ser moda.


                                                     de ser um deus e voar com o temporal lá fora,


                   de não ter que ser homem
                   para não ter que planar.


                                                                                  hoje,
                                                                                  por uma vez que fosse,


                               só desta vez,


                                                                      gostava de poder ser eu a mandar!


                 mas não.


                                                                                     continua o vento no trono,


                                        e mesmo esse,


                                                                          insiste em me abandonar ao ar.


                             escravo de ti,
                             tristemente assinto,


e tristemente plano.





quinta-feira, 7 de outubro de 2010

nada



quando não se dá tempo ao tempo,
acaba-se com o tempo do tempo.
se se deixa solto o tempo,
esquece-se que existe tempo
e, com o passar do tempo,
o tempo deixa de ser tempo.
o iletrado tempo
que não compreende o tempo,
o analfabeto tempo
que não percebe o tempo,
o tempo que me mata o tempo
e a mim, que já fui tempo.
e agora Tempo,
não sou nada nem sou tempo!
perco-me antes no tempo,
sou as horas e os minutos e os segundos do tempo,
sou as flores e as folhas e o despido do tempo,
sou o calor e o ameno e o frio do tempo,
sou a ausência do tempo dentro do tempo.
sou mágoa do tempo,
que injustiça o tempo.
e agora Tempo,
agora, não sou nada... nem sou tempo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Que mude antes o mundo!




Que  eu,  não  quero !


Mantenho-me antes assim,
em mim até me fartar!
Vivo sem me fartar!
Existo,
existindo na constante ideia,
imposta subliminarmente pela vivência até então,
pelos genes,
ou mesmo por criação própria,
que o sentimento vence tudo!
Vivo nesta ideia de ilusão.
Existo na ilusão desta ideia,
no egoístico cenário onde a única coisa que importa é o sentir.
Se calhar,
como criança ingénua e inconsciente do mundo,
ainda acredito nas despedidas nas estações de comboio de beijos sentidos e prolongados,
como se do último se tratasse e,
nesse último,
por ser o último,
fosse obrigado a absorver a memória do tacto e do sentir.
Por ser o último,
querer e necessitar de guardar tudo.
Se falar pode estar sobrevalorizado,
a partilha do sentir estará subvalorizada:
"Guardas-me o chapéu? Voltarei para o vir buscar..." (e para te ver...).

Ainda mais criança,
mais ingénuo,
com uma maior recusa de que assim não seja,
de que fora disto não possa ser!,
com a maior das convicções de que ou é assim ou não quero!,
ainda vivo influenciado pelas películas a preto e branco.
Ainda imagino como verdadeiras as monocromáticas despedidas finais:
Um, de costas voltadas,
afastando-se,
despedindo-se apenas pelo olhar,
em grande tristeza do outro,
não o querendo,
com todo o orgulho próprio de um magnífico preto e branco de poucas palavras,
saindo!,
cada vez mais longe!,
cada vez mais tempo!,
cada vez mais triste!,
para...
antes do cair do pano...
antes do genérico e do final,
se ouvir uma corrida de saltos altos que diz
"não vás!":
um abraço forte;
quatro lágrimas de quatro olhos;
um masculino abraço sentido;
um beijo de duas cores e o feminino encolher de uma perna:
close-up...
música em forma de sonho,
um triste suspiro sentido para quem vê.
um triste suspiro sentido para quem lê,
um triste suspiro sentido para quem escreve,
e...

The End

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Cântico Negro



"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ensinamentos da vida


Ensinamentos da vida: Burro velho não aprende línguas: perde-as.
Olhando-me ao espelho, reparo que há sempre uma face mais iluminada do que outra. Geralmente, a que está do lado da janela.


Ensinamentos da vida: Não se compram bolos ao Domingo.
Os meus sapatos nunca acabam iguais. O direito, estraga-se duas vezes mais depressa do que o esquerdo.


Ensinamentos da vida: Os problemas dos outros perdem sempre dimensão face aos nossos. 
Mais: pior do que andarmos chateados, é sermos os únicos a sê-lo. Pior ainda será não termos razão, embora saibamos que, sempre que assim o é, nunca o admitimos. Só um chalupa pode admitir tal confissão por não temer o abandono físico e a repressão pela não razão.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Lady Frog



There's a lady frog in my bed side table,
who tells me of lakes in form of a fable.
She drifts in phrases and travels in words,
making me fly with all the birds.
Abstracted, distracted, wandering little thing,
Where were you in this early Spring?
The tale of her worlds come from her lips,
And I to, want to become part of that trip.
Despite the fear of what may come,
I want this frog to be the one I succumb.
And even though I don't believe in the tale,
why can't a froggy kiss prevail!
And like a story, senseless alone,
I to, don't want to be on my own.
So fly with care,
from the place of the leprechaun,
and we can finally share,
a bit of our passion.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mãos



Mais um dia num final de mais um dia: "encontramo-nos no café!".
Cheguei primeiro e esperei o chegar do cansaço: o cansaço que não dorme: sorrisos, silêncios, memórias de silêncios em sorrisos e o frio. A culpa que não foi nossa: o frio! a culpa foi do frio que nos fez dar as mãos e foi ela que mas aqueceu: memórias faladas.
Tudo continuava normal naquela esplanada de café: os cães não pararam de passar nas nossas pernas, a rua não parou de ser rua, a noite continuou mais noite: sorrisos sinceros, mais frio e mais mãos, as mesmas, outras, o inicio das mesmas mãos, o carinho escondido de um único dedo por toda a minha mão. Mais frio e mais mãos: os dedos dela nos meus: os meus dedos nos dela: a força dos seus dedos: a suavidade do toque: o constraste da sua pele na minha: o silêncio da rua sem cães e os seus lábios a quebrarem tudo. "Tens umas mãos muito bonitas": cega: silêncios sem palavras, horas de silêncio na minha cabeça sem forças para me mexer: a cabeça dela olhava as minhas mãos, o seu corpo olhava as minhas mãos, a noite olhava as minhas mãos, o café deserto olhava as minhas mãos, a rua olhava as minhas mãos, eu olhava as minhas mãos: o nada que não me obedecia. Só as minhas mãos me obedeciam: as minhas mãos apertavam as dela que me apertavam a mim e tudo o resto não me obedecia. A meio, um desobediente louco arritmado, ofegante e sem forças. Em cima, a estática que pensava: nunca ninguém me tinha dito que tinha umas mãos bonitas. Eu não sabia que tinha umas mãos bonitas e a cabeça que não nos obedecia. Olhávamos as minhas mãos: as mãos dela olhavam as minhas mãos: sorrisos felizes que compreendiam. A cara dela sorriu e caiu sobre as nossas mãos que eram um emaranhado de dedos: as nossas mãos eram uma mão: sorrisos que compreendiam a felicidade: as mãos que agora eram braços; os braços que agora eram corpos; os corpos que eram um corpo: O corpo que me obedeceu: Beijei-a por um segundo e ela beijou-me durante horas: sorrisos em silêncio sem memória.
A esplanada fechada na rua deserta da cidade calada, mil olhos que dormem no alto a ver um abraço de horas num beijo de felicidade: a beleza cega que fala: "és muito bonito": cega:  acabaram-se-me as palavras e acabou-se a noite antes de começar o dia e com a não luz da madrugada disse-me, "Vem comigo!".
Partiu sozinha no frio da manhã: voava naquele dia.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Looking Forward


...não seria possível: hoje não vi o sol nem te vi a ti.
Ainda não sei quem és, mas não te vi,
porque hoje,
não vi ninguém.
Não vi ninguém nem soube de nada,
porque hoje fui só eu.
Que se dane o mundo!, gritei,
E tu!, pensei de mim,
Bem... tu que esperes!
Seja lá quem fores,
porque efectivamente o és,
apresento-me por mandar danar o mundo!
Coisa feia apresentar-me assim,
e por isso,
agora espero mais.
Só sei que hoje não te vi,
mas também, não seria possível...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

p.o.n.t.o.s.d.e.p.e.l.e.


Existem.pontos.de.pele!
existem.pontos.de.pele.distraídos.que.me.distraem:que.se.mexem.porque.voam.quando.riem.
escrevem.nas.entrelinhas,os.reflexos.da.partida.
Os.pontos.de.pele.não.existem!
os.pontos.de.pele.não.existem,perdem-se,não.se.encontram:são.fora.de.bom!
preguiçam.em.não.dormir.


Não.existem.pontos.de.pele!
não.existem.pontos.de.pele:são.imaginários. . .
Os.pontos.de.pele.existem!
os.pontos.de.pele.existem.ignorantes:não.sabem.
cada.vez.mais:pontos.