quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Morte por acordeão


Morri pela música e já não sei escrever.
Para onde olhas?! Pelo que procuras!?
Eu!... Aqui!...
Eu, sem música
(é certo...)
sem sorriso,
(bem sei...)
sem verdade,
sem saber que me sobra para ter que morrer assim: o tenebroso som do teu olhar.
Que a morte me merece, mas não assim que ainda me mata mais pensar de ver passado em ti: seca-se-me a garganta, falha-se-me o ar e o teus olhos imperiais de rainha de copas, impõem-se-me e ordenam-me:

                          morte por acordeon!



sábado, 4 de dezembro de 2010

Pilar, José e o Amor


O estereótipo de há cinquenta anos rezava: “Casaram-se e foram felizes para sempre.” O estereótipo contemporâneo preconiza: “Casamento, pantufas, aborrecimentos.” Um estereótipo não é melhor, nem mais inteligente, do que o outro – a ideia de que os casamentos estão condenados ao tédio só parece mais brilhante do que aquela que toma a felicidade como um dado adquirido porque o pessimismo dá sempre uns fumos de ilustração aos seus praticantes: quem futura em negativo passa facilmente por lustroso cérebro, porque há sempre um desastre ao virar da esquina – e muito mais mirones para o desastre do que para a alegria. As relações nascem muitas vezes mortas por falta de fé – falta-nos amor por esse amor que é como uma espécie de terceira entidade gerada pela atracção entre dois seres e que precisa de ser estimado como milagre concreto.
(…)
Aprende-se a amar caindo, falhando, errando muitas e muitas vezes. Até ao momento em que ficamos prontos para ser felizes para sempre. Há é pouca gente para dar por isso.

Inês Pedrosa
in Revista Única

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Quanto custa?



Custa acordar a pensar: Custa pensar em como gostar depois de GOSTAR e por isso, custa a andar. Custa a andar quando andar é deambular. Custa atravessar a cidade olhando o chão, olhando o frio a sair da boca e custa ver tudo isto, sem realmente ver nada: Custa não saber. Custa ficar de pé num metro a ouvir o silêncio porque o que custa, é recordar agora que o que ouvia, era o silêncio e custa admitir que perdi o tempo e o espaço e segui sem sair. Custa que as portas se fechem e não me aperceba que fecham. Custa voltar atrás quando se está atrasado. Custa almoçar a trabalhar ao som da mais maravilhosa música e quase que custa não me aperceber que me levantei enquanto falavam para mim. Custa que não me custe os olhos que me seguem incrédulos por me levantar, porque não percebem que não os ouço, e isso, custa-me. Custou-me quando me dirigi ao sotaque francês e perguntei que maravilha estava a ouvir. Custa sorrir ao sourire só para responder de igual forma ao sorriso. Custaria ouvir o propriétaire dizer que isto, não se ouve, não se compra, nem se vê em mais lado nenhum... custaria! Não fosse eu teimoso e procurasse até ao fim do mundo (que isso já não me custa) por uma música assim. Mas custa-me que a única razão de uma música assim ser assim, ser para querer oferecer uma música assim... Custa-me que me levante, que deixe de ouvir e de ver, que deixe de tudo, porque num sopro de vontade e esperança, quis que ouvisse o que ouvia. Custa-me que queira partilhar assim e custa-me um bocadinho muito mais só porque a música já acabou. Mas aquilo que mais custa, é ter a noção do quanto custa e, talvez por isso, custar ainda mais... custar tanto como receber, no dia que custa muito, novidades que não são novidades, mas que custam. E quanto custa tudo isto? Custa muito...








PARTE 2