quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os cinco heterossexuais do Restelo

Café. Quatro da tarde num ainda sol quente de Outono: Hoje. A minha mesa: eu, o meu livro e o meu café. A outra mesa: cinco e as conversas de aspecto de muitos anos.
Passa um rapaz já homem, alto, atlético, de cintura das calças no fim das nádegas, provavelmente para as enaltecer, roupa interior rosa choque cuidadosamente toda à mostra de todos, suspensórios nos ombros nus de um tronco nu propositadamente trabalhado, cuidadosamente tratado e tatuado. Cabelo rapado e óculos de sol da moda à frente dos olhos que olhavam o chão a passar rápido enquanto caminhava num saltitar ritmado.
Os cinco: "Este gajo devia ser preso. Este gajo devia ser preso e morto!".

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

20 de Outubro



O dia da mãe é como o Natal: quando um homem quiser. Mas a sério. É como uma comum fraca desculpa para uma horrível tomada de consciência de que temos uma mãe.
Mas que chatice! Hoje a minha mãe faz anos. Que faço? Que digo? mas, principalmente, que compro?... Ainda por cima joga o Benfica...
A minha mãe é a Brigitte Bardot meets Marylin Monroe, sem as saias a esvoaçarem numa conduta de ar e com um vestido da Custo. A minha mãe tem um coração do tamanho do estômago e um estômago do tamanho do coração. A minha mãe e eu nem sempre nos entendemos e eu, não sei parar e dizer que gosto muito dela, não só porque é minha mãe, mas porque é uma mulher extraordinária. Coisas de filho, que "coisas de filho", por enquanto, servem de desculpa. A minha mãe reformou-se da profissão de super-mulher e vive do não reconhecimento disso. A minha mãe irrita-me 3 vezes por dia porque eu sou igual à minha mãe que é igual ao pai da minha mãe, a quem, dizem, eu sou muito parecido. A minha mãe, por ser minha mãe, é a melhor mãe do mundo e digo isto desta forma infantil porque sei que, todos os dias, ela gostava que eu tivesse novamente 8 anos e a abraçasse daquela forma. A minha mãe não me pede desculpas e eu não lhe peço desculpas a ela, porque, entre nós, eu a minha mãe nunca nos enganamos e temos sempre razão. A minha mãe gostava que eu tivesse sido uma filha, ou que o meu irmão fosse uma filha, ou que tivesse tido uma filha, mas talvez por isso, eu sou a mais filha dos filhos da minha mãe.
Hoje a minha mãe faz anos por isso, eu hoje faço anos: obrigado por me tornares no que sou, por seres quem és e por me aturares 3 vezes ao dia todos os dias.
Se calhar preferias um poema, um texto lírico ou umas rimas bonitas. Mas mãe... és tu.




Parabéns Mãe!

Retrato de Mónica




Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.


Sofia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Gago




Há delas respostas com prazo de validade.
Afirma-se o mundo, as entranhas e a pessoa. Fala-se de tudo, que, dizem, é sempre fácil. Mas não é. Não é fácil falar e dizer nada, quanto mais tudo. Não só não é fácil, como parece ser impossível fazer passar o ar certo pela traqueia e tornar-nos audíveis no som que queremos. Pensar sim, é fácil e, por vezes, pensamos tanto que pensamos que já dissemos o que pensávamos. Outras pensamos: diz diz diz diz, e calamo-nos. Escrever também o é. Porque escrever é pensar e falar ao mesmo tempo, escrever é dizer e responder e perguntar e tornar a responder por nós à nossa própria pergunta, no nosso próprio cenário, na nossa imperfeição perfeita, na nossa ideia singular: única, porque não existe.
Mas, até para as nossas perguntas, existe um prazo de validade. Até a (minha) hesitação tem valor e, a resposta, tem 30 segundos de vida.
Queres!?   v i n t e   e   n o v e    s e g u n d o s   d e   e s p e r a   e.... SIM! (ou não)
Vens!?   v i n t e   e   n o v e    s e g u n d o s   d e   e s p e r a   e.... SIM! (ou não)
Ou não, que o sim é sempre mais poético. Que o sim vive nas (minhas) folhas de papel virtuais, na (minha) cabeça que parece mandar na hesitação e diz que, a inconstância do vacilar, o titubear da mente pelas não palavras em um, dois, três, os que forem segundos, são o cambalear da mente inconstante.
Para a hesitação, já bastam os corações que balbuciam o mundo numa gaguez que (me) mata.


há há há de-de-de-las re-re-re-spo-po-pos-tas co-co-com pra-pra-pra-zo de va-va-va-va-li-li-li-da-da-de...



e estro?

escrevo escrevo escrevo
                                     e apago,
escrevo escrevo escrevo
                                     e rasgo,
escrevo escrevo escrevo
                                     e risco,
escrevo escrevo escrevo
                                     e branco,
escrevo escrevo escrevo
                                     e nada,
escrevo escrevo escrevo
                                     e lixo,
escrevo escrevo escrevo
                                     e desenho,
escrevo escrevo escrevo
                                     e escrevo!
escrevo escrevo escrevo
                                     e repito...



segunda-feira, 18 de outubro de 2010

segunda-feira





É segunda-feira, talvez por isso, a minha mulher se lembre melhor de todos os dias. Segunda-feira é um dia que a minha mulher associa a todos os dias. Se, numa conversa, alguém diz: todos os dias, a minha mulher pensa numa sucessão infinita de segundas-feiras. Sexta-feira é véspera de fim-de-semana e, por isso, é um dia diferente. Sábados e domingos são dias diferentes. Terças, quartas e quintas são dias próprios em que acontecem coisas próprias de acontecer às terças, quartas e quintas. As segundas-feiras são dias correntes, anónimos. São todos os dias.



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

V



porque o meu siso passou a ser o teu,
o teu sorriso passou a ser o meu!
porque és sábia em tudo, mesmo no nada,
és o conforto da minha alma apaixonada.
porque és o amor em forma de abraço,
uma alegria constante e nunca um cansaço,
porque assim o ficas todos os meus dias:
se não estivesses noiva, era comigo que ficarias.
mas porque és grande, enorme, gigante de ser!,
já encontraste o teu merecido amor e querer.
E agora são dois, os que me fazem sentir,
o que é andar constantemente a sorrir.
Um verdadeiro amigo é-o naquilo que não se vê,
por hoje, por ontem, por tudo: PARABÉNS V.

(noivo J: a parte do "era comigo que ficarias", é só para rimar...)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

tumulto



o centro da cidade. Era a última pessoa para a qual estava preparado para encontrar e só por isso, o meu coração bateu numa única contracção de segundos. Fiquei completamente atónico de a ver. No primeiro piscar de olhos sorri, peguei na mão dela sem dono, no braço dela abandonado e entregue ao vento e pu-la no meu peito. Perante toda aquela multidão babilónica, por entre gritos e apitos e buzinas de carros, perguntei-lhe baixinho:
- sentes?
o silêncio dela.
- pela primeira vez apresento-te-me calmo, sem borboletas ou palpitações.
o silêncio dela e um olhar. Com medo de mais palavras, apenas belas quando improvisadas em folhas de guardanapos perdidas, perguntou-me:
- porque não me abraças?
e os carros pararam. Os condutores saíram e olharam para mim. Os passageiros saíram e olharam para mim. Todas as pessoas na rua pararam e olharam para mim. As varandas encheram-se a olhar para mim. O vento passava lento a olhar para mim. O enorme silêncio que olhou para mim. O fim do dia parou a olhar para mim. O silêncio do mundo parado à minha volta continuava a olhar para mim. O meu coração, enquanto olhava para mim, respondeu:
- porque queria que me abraçasses de volta.





terça-feira, 12 de outubro de 2010

oração



Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque minha força é imortal.


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

caixa





caixa que te agitas,
que te mexes e espevitas,
pelo ruidoso barulho que transbordas,
és a caixa de tudo que me acordas.
embalas-me em tormentas,
não me fazes nem me pensas.
a caixa que faço para voltar ao mundo,
não me deixa viver nem um segundo.

domingo, 10 de outubro de 2010

10.10.10




A perfeição é transparente.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

p . . . . . l . . . . . a . . . . . n . . . . . o






              hoje não existo,
              não sou eu!


                                                                       não sei sequer quem sou.


                                     hoje,


                                                           como ontem,


                        como no dia anterior,


                                                                                              como todos os dias até então,


apenas plano.


nem ao menos voo:

plano!


                           não sinto,
                           não estou,
                           nem sou.


                                                                              nem sei:


plano.


                          engulo o ébrio para voar um pouco,


                                                                         ingiro o fumo que me voa mais um pouco,
                                                                         depois:


                                       f
                                        l
                                    u
                                      t
                                   u
                                     o,


                      para apenas planar de mais alto.


                                                                               hoje não existo mais um pouco:


e plano.


                          hoje gostava de saber escrever.

                                                                                     de conseguir falar.


                        de conseguir ser pelo não saber e descer à terra a dois palmos de mim.


                                     gostava de voltar a ser gente: ignorante e livre gente.


               gostava de ser cíclico,
               de ser moda.


                                                     de ser um deus e voar com o temporal lá fora,


                   de não ter que ser homem
                   para não ter que planar.


                                                                                  hoje,
                                                                                  por uma vez que fosse,


                               só desta vez,


                                                                      gostava de poder ser eu a mandar!


                 mas não.


                                                                                     continua o vento no trono,


                                        e mesmo esse,


                                                                          insiste em me abandonar ao ar.


                             escravo de ti,
                             tristemente assinto,


e tristemente plano.





quinta-feira, 7 de outubro de 2010

nada



quando não se dá tempo ao tempo,
acaba-se com o tempo do tempo.
se se deixa solto o tempo,
esquece-se que existe tempo
e, com o passar do tempo,
o tempo deixa de ser tempo.
o iletrado tempo
que não compreende o tempo,
o analfabeto tempo
que não percebe o tempo,
o tempo que me mata o tempo
e a mim, que já fui tempo.
e agora Tempo,
não sou nada nem sou tempo!
perco-me antes no tempo,
sou as horas e os minutos e os segundos do tempo,
sou as flores e as folhas e o despido do tempo,
sou o calor e o ameno e o frio do tempo,
sou a ausência do tempo dentro do tempo.
sou mágoa do tempo,
que injustiça o tempo.
e agora Tempo,
agora, não sou nada... nem sou tempo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Que mude antes o mundo!




Que  eu,  não  quero !


Mantenho-me antes assim,
em mim até me fartar!
Vivo sem me fartar!
Existo,
existindo na constante ideia,
imposta subliminarmente pela vivência até então,
pelos genes,
ou mesmo por criação própria,
que o sentimento vence tudo!
Vivo nesta ideia de ilusão.
Existo na ilusão desta ideia,
no egoístico cenário onde a única coisa que importa é o sentir.
Se calhar,
como criança ingénua e inconsciente do mundo,
ainda acredito nas despedidas nas estações de comboio de beijos sentidos e prolongados,
como se do último se tratasse e,
nesse último,
por ser o último,
fosse obrigado a absorver a memória do tacto e do sentir.
Por ser o último,
querer e necessitar de guardar tudo.
Se falar pode estar sobrevalorizado,
a partilha do sentir estará subvalorizada:
"Guardas-me o chapéu? Voltarei para o vir buscar..." (e para te ver...).

Ainda mais criança,
mais ingénuo,
com uma maior recusa de que assim não seja,
de que fora disto não possa ser!,
com a maior das convicções de que ou é assim ou não quero!,
ainda vivo influenciado pelas películas a preto e branco.
Ainda imagino como verdadeiras as monocromáticas despedidas finais:
Um, de costas voltadas,
afastando-se,
despedindo-se apenas pelo olhar,
em grande tristeza do outro,
não o querendo,
com todo o orgulho próprio de um magnífico preto e branco de poucas palavras,
saindo!,
cada vez mais longe!,
cada vez mais tempo!,
cada vez mais triste!,
para...
antes do cair do pano...
antes do genérico e do final,
se ouvir uma corrida de saltos altos que diz
"não vás!":
um abraço forte;
quatro lágrimas de quatro olhos;
um masculino abraço sentido;
um beijo de duas cores e o feminino encolher de uma perna:
close-up...
música em forma de sonho,
um triste suspiro sentido para quem vê.
um triste suspiro sentido para quem lê,
um triste suspiro sentido para quem escreve,
e...

The End

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Cântico Negro



"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ensinamentos da vida


Ensinamentos da vida: Burro velho não aprende línguas: perde-as.
Olhando-me ao espelho, reparo que há sempre uma face mais iluminada do que outra. Geralmente, a que está do lado da janela.


Ensinamentos da vida: Não se compram bolos ao Domingo.
Os meus sapatos nunca acabam iguais. O direito, estraga-se duas vezes mais depressa do que o esquerdo.


Ensinamentos da vida: Os problemas dos outros perdem sempre dimensão face aos nossos. 
Mais: pior do que andarmos chateados, é sermos os únicos a sê-lo. Pior ainda será não termos razão, embora saibamos que, sempre que assim o é, nunca o admitimos. Só um chalupa pode admitir tal confissão por não temer o abandono físico e a repressão pela não razão.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Lady Frog



There's a lady frog in my bed side table,
who tells me of lakes in form of a fable.
She drifts in phrases and travels in words,
making me fly with all the birds.
Abstracted, distracted, wandering little thing,
Where were you in this early Spring?
The tale of her worlds come from her lips,
And I to, want to become part of that trip.
Despite the fear of what may come,
I want this frog to be the one I succumb.
And even though I don't believe in the tale,
why can't a froggy kiss prevail!
And like a story, senseless alone,
I to, don't want to be on my own.
So fly with care,
from the place of the leprechaun,
and we can finally share,
a bit of our passion.