sexta-feira, 30 de março de 2012

Assonia Execra



Existirá o dia que te descobrei os podres que não partilho,
as dessintonias imperdoáveis e os gostos sem sentido em que não me revejo.
Aguardo ansiosamente a queda de um pano que me faça voltar a mexer,
que me faça voltar a ver o mundo noutras cores,
apagar sedentários e ignorantes sorrisos
e me adormeça.


quarta-feira, 28 de março de 2012

No tempo em que andava na escola



, lia cartas sem perceber o que eram as pessoas. Lia-as e depois deitava-as fora. Se já não as tivesse comigo, se desaparecessem para o lixo, não existiam, e se não existiam, num rápido e astuto raciocínio de alívio, podiam nunca ter existido, e se nunca tinham existido, não precisavam de ser respondidas. Era o tempo em que o amor não tinha resposta.
No tempo em que andava na escola, brincava muito no parque da urbanização, a cidade era metade da de agora e o expoente máximo do meu afecto era um puxar de cabelos ou um pontapé. Depois fugia e nada acontecia. Era o tempo em que o amor era cobarde.
No tempo em que andava na escola, as garagens eram mais pequenas, tinham músicas e ofereciam coca-cola. Era a altura em que subitamente a música adormecia sozinha, a garagem se juntava em pares e eu ia ver os carros passarem até a música acordar. Era o tempo em que o amor não existia.
No tempo em que andava na escola, os melhores sítios eram as bancadas de pedra e os bancos longínquos onde o mundo não passava. Era o tempo em que o amor se escondia.
E foi no tempo em que ainda andava na escola que descobri as letras, que encontrei o mundo num par de palavras e o fiz meu por mim próprio, e foi o meu fim e o do amor, e agora, depois desse tempo, às vezes, parece que ainda não saí da escola.



terça-feira, 27 de março de 2012

(In)sensibilidades



- Há certas silhuetas que têm qualquer coisa de especial. No geral, são silhuetas que puxam ao imaginário do desejo, que nos agradam e nos chamam mas, quando analisadas mais de perto, quando escrutinadas ao pormenor, nada têm nada de extraordinário. São só a soma de vários perfis perfeitos num único, erróneo e banal. Não sei explicar o tipo de atracção que há nessas silhuetas ou o que é que me faz sentir assim...

- Isso, é miopia.



segunda-feira, 26 de março de 2012

Lol


- Ponto a favor: não escreve lol.
- Porquê a favor?
- Porque não gosto! Porque gosto de me rir com todos os 'a' e 'e' que isso implica, bem alto, junto dos 'h', ambos repetidos: dois pares para o riso modesto; repetição infinita para muita piada; e maiúsculas para o choro !
- Vou ter de me apaixonar para continuar a conversar contigo, não percebi metade...
- AHAHAHAHAHAHAHAH


domingo, 18 de março de 2012

32Gb de olhos verdes



- Não me sai da cabeça...
- Não consigo deixar de pensar nisto...
- Há qualquer coisa naquela miúda...
- Não sei qual compre...
- aquelas sardas, aquele olhar...
- a versão de 16 ou de 32 ?
- aquela inquietude toda, sempre a mexer a cabeça, e de repente...
- é que não sei se tenho tanta música para lá por.
- fixa-te os olhos e o mundo à volta desaparece...
- A diferença de preço ainda é grande.
- deixo-a de ouvir e só vejo aqueles olhos...
- se calhar vou para o de 16.
- e aquela pinta no meio do olho esquerdo a interromper todo aquele verde magnífico? Deixa-me sem fala...
- Encomendo já hoje para estar cá 5ª.
- E as conversas ?
- Por acaso já me estava a sentir a mais.
- Acho que devias comprar a versão de 16.


quarta-feira, 14 de março de 2012

Valor



- Se fosse eu que estivesse no teu lugar... Tu dá valor ao que tens !
- Darei valor ao que tenho, quando lhe der valor, não antes (pelo que ainda não sei) nem depois (pela saudade do já que soube).


terça-feira, 13 de março de 2012

Outros tempos



Houve um tempo,
que conduzia toda a noite só para estar de manhã,
que oferecia flores
e de tão bom,
era mau.
Em tempos,
houve um tempo de música nova,
de longas manhãs
pelas longas noites anteriores,
de vinho tinto e de carne.
Em tempos,
o tempo era de planos desmesurados e sem medidas,
as esperas eram agonizantes
e, por ser um tempo que se julgava não ter fim,
não se media o infinito.
Em tempos,
houve um tempo de um sol diferente para uma pele despreocupada,
de um insosso mar sem sal,
de voadoras estrelas cadentes
e do estranho bom tempo.
Tempos houve do Genuíno e da dúvida,
do Calor e da indiferença,
do Querer e da simples vontade.
Houve em tempos,
um desejo que começou com um vento que nunca estava longe,
era o tempo em que o vento me falava
e eu contava os dias e as horas,
era um tempo de magnífica ingenuidade,
de línguas revoltas e ignorantes corpos,
eram tempos sem gatos nem ciúmes...
e até eram bons tempos...
mas isso,
eram Outros tempos.


quinta-feira, 8 de março de 2012

Paridela Mental

Se me dizes, porque não me apetece.
                              Não argumentarei.

                              Se me dizes, porque não quero.
                                                            Nada direi.

                                                            Mas se me dizes que achas que não,
                                                                        então,

                                                             perguntar-te-ei porquê.

                              Não tentarei mudar a tua opinião,
só as premissas pelas quais a acentas,

e assim,

                partindo deste raciocínio,

                                     argumentando desta forma,

                                                                                                              mudarei o mundo.


sexta-feira, 2 de março de 2012

Vento



O fim do Verão é sempre um momento de calma.

Há uma ligeira mudança no ar.

Continua a ser Agosto,

o sol brilha,

mas já traz o conhecimento do que se avizinha.