quarta-feira, 28 de março de 2012

No tempo em que andava na escola



, lia cartas sem perceber o que eram as pessoas. Lia-as e depois deitava-as fora. Se já não as tivesse comigo, se desaparecessem para o lixo, não existiam, e se não existiam, num rápido e astuto raciocínio de alívio, podiam nunca ter existido, e se nunca tinham existido, não precisavam de ser respondidas. Era o tempo em que o amor não tinha resposta.
No tempo em que andava na escola, brincava muito no parque da urbanização, a cidade era metade da de agora e o expoente máximo do meu afecto era um puxar de cabelos ou um pontapé. Depois fugia e nada acontecia. Era o tempo em que o amor era cobarde.
No tempo em que andava na escola, as garagens eram mais pequenas, tinham músicas e ofereciam coca-cola. Era a altura em que subitamente a música adormecia sozinha, a garagem se juntava em pares e eu ia ver os carros passarem até a música acordar. Era o tempo em que o amor não existia.
No tempo em que andava na escola, os melhores sítios eram as bancadas de pedra e os bancos longínquos onde o mundo não passava. Era o tempo em que o amor se escondia.
E foi no tempo em que ainda andava na escola que descobri as letras, que encontrei o mundo num par de palavras e o fiz meu por mim próprio, e foi o meu fim e o do amor, e agora, depois desse tempo, às vezes, parece que ainda não saí da escola.



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