sexta-feira, 30 de julho de 2010



Os meus amigos vão de férias e eu,
acho que me vou fazer de convidado.

O futuro do par, do par de pêlos brancos



Finalizo sem referências a mestrias,
sem uma tão desejada glória,
ou o verde de um número a assinalar um feito.
Chego antes ao fim com o vermelho,
num desígnio sem a desejada memória futura do passado,
na consciência casmurra da impossibilidade presciente de outrora.
O momento,
é-o assim,
desenxabido,
numa façanha insípida,
sem digno assinalar ou celebração.

Teoricamente importante,
muito importante até,
agora,
apenas se passa num encolher de ombros suspirado,
com um resignar a significar o mais forte dos constrangimentos
e a falta dA única presença,
o mais forte dos desgostos.
Sem culpas, sem dedos e sem miras,
esta, equivale à falta da partilha pela vontade de estar,
ao desejo de um abraço luchado e,
talvez por tudo isso,
ao querer de volta um pêlo branco na testa.

Quero de volta os nossos pêlos brancos!
Misturados nos brancos de mais um ano,
mas com o voltar do seu sentido inocente do descobrimento
e do significado ingénuo que lhe atribuímos:
O par do par de pêlos brancos!

Aguardo futuros dias de descanso,
futuros passados de antes para trás,
passados futuros de hoje em diante,
ou,
simplesmente,
o futuro!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Como viver?

P: Como viver? R: Não penses na morte.
P: Como viver? R: Presta atenção.
P: Como viver? R: Nascendo.
P: Como viver? R: Lê muito, esquece a maior parte, sê lento de raciocínio.
P: Como viver? R: Sobrevive ao amor e à perda.
P: Como viver? R: Faz uso de pequenas manhas.
P: Como viver? R: Questiona tudo.
P: Como viver? R: Mantém um quarto só para ti.
P: Como viver? R: Vive com os outros.
P: Como viver? R: Desperta do sono do hábito.
P: Como viver? R: Com temperança.
P: Como viver? R: Preserva a tua humanidade.
P: Como viver? R: Faz algo que não foi feito antes.
P: Como viver? R: Vai ver o mundo.
P: Como viver? R: Faz um bom trabalho, mas não demasiado bom.
P: Como viver? R: Filosofa apenas por acaso.
P: Como viver? R: Reflecte sobre tudo, não te arrependas de nada.
P: Como viver? R: Abandona.
P: Como viver? R: Sê comum e imperfeito.
P: Como viver? R: Deixa que a vida seja a sua própria resposta.


Roubei as respostas ao Rui Tavares (in Público, 28/7/2010), que as roubou a Sarah Bakewell, que por sua vez as roubou de Montaigne. Parece que Montaigne as roubou, principalmente, de Plutarco mas, dizem, que Montaigne também foi roubado por Shakespeare, por isso está tudo bem. Se mas roubarem, agradeço.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Naquela Cozinha

Passam-se horas de nada e nada se passa.
Nada adianto e nada penso,
apenas as passo e fico.



Talvez por isso tenha medo de me desperdiçar,
e assim,
a vida não chega sozinha.


Aguardo a chegada de alguém que me alente,
que também procura alento,
me vê e parte.


Vão-me fazendo companhia os bichos
e o vento em som e em verde
e eu vou-lhes falando do que sinto,
para não me sentir tanto.


Partilho a minha alma ao que só ouve sem atenção,
deixo um pouco de mim neste jardim
e vejo-o crescer mais por isso.


Gostava de ser como ele,
mesmo que ele não fosse um homem feliz,
porque infelizes,
todos o somos à nossa maneira...


Até os bichos o vêem.



terça-feira, 20 de julho de 2010

Felizcidade



A felicidade é uma obra prima:
                                               o menor erro falsei-a,
                                               a menor hesitação altera-a,
                                               a menor falta de delicadeza desfeia-a,
                                               a menor palermice embrutece-a.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

p a l a v r a s. . .


As palavras,

                  são como a água que pomos nas flores.

Não evitam a morte,

                                 mas tornam a vida mais bonita.

terça-feira, 13 de julho de 2010

"Já passou, ainda não passou"

( . . . )
Mas aí a meio do Mundial, aconteceu uma coisa horrível. Estava a almoçar com a minha mulher na praia - um tempo sagrado, só nosso - e, de repente, dei comigo a fazer-lhe perguntas de futebol.
O pior é que, antes de dar por isso, ainda fiz três ou quatro. E ela, que partilha o meu grande amor por tudo o que tenha a ver com bola, lá foi respondendo. Devemos ter conversado sobre o Mundial durante quatro longos minutos - e eu estava interessado na conversa.
E se não fosse a expressão aflita e estupefacta da Maria João - como se estivessem a crescer-me malmequeres das orelhas - eu nem sequer teria caído em mim.
Tinha sido contaminado pelo futebol. O futebol tinha saído da jaula fortificada onde eu o guardo e tinha conseguido invadir o jardim maximum security da minha vida.
A minha mãe já me tinha avisado. Quando nós éramos pequeninos e ela passava tempo de mais connosco, falando criancês - aquela língua delicodoce e cheia de diminutivos que os pais usam para dar ordens e ensinar coisas aos filhotes -, acontecia-lhe continuar a usar a mesma língua quando estava com adultos.
Durante um cocktail, aconselhava um comodoro americano que acabara de lhe ser apresentado a "não vai beber esse uisquizinho todo de uma vez, pois não? Parece muito bom e fresquinho, cheio de pedrinhas de gelo, mas o álcool faz mal ao figadozinho! E nós não queremos que isso aconteça com o comodoro, pois não? Não! Claro que não queremos, porque o comodoro é um bom comodoro e quer um dia ser almirante, não é?"
No criancês, o adulto geralmente responde às suas próprias perguntas e à criança cabe fazer que sim ou que não com a cabeça.
O futebolês não é muito diferente. Pergunta-se: "Achaste que foi fora-de-jogo?" E segue-se logo com a resposta: "Aquilo nunca foi fora de jogo!" (O futebolês é tão exageradamente agressivo e discordante como o criancês é ternurento e unanimista).
É muito perigosa esta contaminação cruzada. Todas as línguas infectadas ficam a perder. Um exemplo contemporâneo é a contaminação cruzada da língua amorosa com a língua amistosa ou social. Chama-se "meu amor" aos cabeleireiros: "Despacha-te, meu amor, que eu estou super-atrasada."
Quando "meu amor" é para toda a gente, todas as palavras do vocabulário amoroso são despromovidas. "Querido" já se usa como palavra agressiva: "Ó meu querido amigo, se você não tira já daí o carro..."
Na Inglaterra, love you! já se usa mecanicamente ao telefone, para indicar o fim de uma conversa. Em Portugal, ainda não chegámos a esse ponto, mas já se diz "amo-te" com grande ligeireza, no sentido de "obrigado!" ou "fizeste exactamente o que eu queria - obrigada!"
Diante esta apropriação, o amorês é obrigado a carregar-se de bagagens suplementares. Se "amo-te" não quer dizer nada, é preciso acrescentar: "Amo-te. Mas é a sério. É amor mesmo; amor verdadeiro." O que estraga tudo, claro.
( . . . )


by Miguel Esteves Cardoso
in Público 12/7/2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

dias

Há deles dias que gostava de gostar menos.
Uma espécie de antítese em sentimento bom,
mas por gostar demais.
Enganem-se se tal não existe,
só para que não se sintam
no desejo de um desprover emocional que desacelere o coração,
num nicho de resignação para bloquear o pensamento ocupado na saudade,
num despreocupar sentido que evite o preocupar,
algo,
qualquer coisa,
que ajude à indiferença póstuma e cultive a calmaria!

Há deles dias, como hoje,
que a saudade não passa com o desejo.
Que o não querer ser bicho de sentir
não chega para não sentir,
e,
nem a consciência de tudo me deixa a saudade
de uma outra noite de Domingo ou uma manhã de Segunda.

Há deles dias que ele aperta
e os sonhos não bastam para apaziguar a vontade semanalmente crescente de apenas,
pelo menos,
só mais um abraço.
Porque há deles outros,
dias,
que é só isso que tenho:
a vontade...
os sonhos...
a saudade...
o desejo e o sentir...

e nada consigo contra isso.