quarta-feira, 30 de março de 2011

À minha querida filha:





Estou a escrever-te uma carta. Isso mesmo, uma carta à moda antiga. É uma arte perdida, para ser franco.
Tenho uma confissão a fazer. Não gostei muito de ti ao início. Eras uma pequena criatura irritante, que cheirava bem, a maior parte do tempo. Mas não parecias ter grande interesse em mim. O que, como é claro, achei vagamente insultuoso. Eras só tu e a tua mãe contra o mundo, curioso como há coisas que nunca mudam. Por isso, juntei-me a vocês, a fazer a minha vida, ser o tolo, sem perceber bem como ser pai muda uma pessoa. E não me lembro do exacto momento onde tudo mudou. Só sei que mudou. Um minuto, era impenetrável, nada me deitava abaixo, no próximo, o meu coração, de alguma forma, batia fora do meu peito, exposto a tudo.
Amar-te tem sido a experiência mais profunda, mais intensa e mais dolorosa da minha vida. Na verdade, tem sido quase demasiado de suportar. Enquanto teu pai, fiz um juramento silencioso de te proteger do mundo, nunca me apercebendo de que seria eu quem mais te magoaria.
Quando imagino o futuro, o meu coração parte-se. Principalmente porque não te imagino a falar de mim com qualquer tipo orgulho. Como poderias? O teu pai é uma criança num corpo de homem, não se preocupa com nada e com tudo ao mesmo tempo. Nobre no pensamento, fraco nas acções. Algo tem de mudar, algo tem de ceder.
"It's getting dark
Too dark to see".



domingo, 27 de março de 2011

destino




Existe o bom, e existe o mau, o certo e o errado. Se somos abençoados por alguma sabedoria, então, existem vislumbres entre as rachas de cada, por onde a luz emana. Esperamos em silêncio durante este tempo, até a sensatez prevalecer; até a existência sem sentido ganhar foco e o nosso propósito se apresentar. E se temos a força de ser honestos, então o que encontramos aí, olhando-nos de volta, é o nosso próprio reflexo, testemunho da dualidade da vida: que cada um é capaz da escuridão e da luz, do bem e do mal, de cada, de ambos. E o destino, enquanto avança sempre em nossa direção, pode ser reajustado pelas escolhas que fazemos, pelo amor que guardamos e pelas promessas que mantemos.



sexta-feira, 25 de março de 2011

não sei.




Que farias com um poeta,
se não lhe escutasses as palavras?
Com um palhaço,
se não lhe esboçasses um sorriso.
Com uma companhia,
se gostasses da solidão.
Com o amor,
se não soubesses ser amado.

Que farias com a realidade,
se só visses o imaginário?
Que farias com a verdade,
se só ouvisses a mentira?
Que farias com a sanidade,
se só soubesses ser louco?

Que farias se não soubesses nada?


sexta-feira, 18 de março de 2011

O equívoco





- É AQUELE ALI!, ouço eu agora, o que não ouvi então com a clareza que me arrepia as dores. Quando aqueles olhos de loucos se dirigiram a mim, aos meus, absortos e aéreos como de costume, foi o primeiro soco o que mais doeu. No chão, apenas em corpo, não ouvindo os insultos de tão longe que pairava, foi o primeiro pontapé o único que senti. Quando me levantaram, enquanto descia calmamente e me deixava levar pela inevitabilidade da minha morte, não pensava no equívoco, nem tão pouco tentava perceber porque ia morrer. Pareceu-me ser um pensamento inútil. A última coisa de que me lembro, foi o sabor a sangue na minha boca e da fome que tinha. Depois sonhei. Talvez aí tenha mesmo começado a morrer, mas acho que só sonhei... e sonhava enquanto morria. Não no porquê, não no como, não no que se passa, não no vou morrer
vou morrer                            vou morrer                            vou morrer,
não nas dores, não na fome, não na barriga vazia pontapeada, não nos olhos que não se abriam de inchados, não no sangue, nem no corpo que já não sentia. Sonhava com ela: com o seu sorriso, a sua cara a sorrir, o seu toque terno e em mim eterno, as minhas mãos no seu cabelo, as suas mãos, o seu cabelo, o seu corpo escultural, o calor do seu corpo no frio dos meus pés, o seu abraço em lágrimas, o seu abraço, as suas lágrimas, os seus lábios, a sua língua, o seu beijo,
vou morrer                            vou morrer                            vou morrer,
e a nossa morte.
No hospital, quando me foi visitar, disse-lhe que nunca mais nos iríamos ver.
E dizem que morri...



quinta-feira, 17 de março de 2011

Sospetto licentia fede




"As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros; voam sempre ao crepúsculo. Certamente, devem ser reprimidos, ou pelo menos bem vigiados, porque ofuscam o espírito. As suspeitas afastam-nos dos amigos e vão de encontro aos nossos negócios, que afastam do caminho normal e direito. As suspeitas impelem os reis à tirania, os maridos ao ciúme, os sábios à irresolução e à melancolia. São fraquezas não do coração, mas do cérebro (...).
O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco;"

Francis Bacon, in 'Ensaios'


quarta-feira, 16 de março de 2011

Quero Me Casar



Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.

Depressa, que o amor
não pode esperar!

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'


Parabéns!


terça-feira, 15 de março de 2011

Falta de Apetite





- Vives en el mundo del hambre de la auto ayuda, de la fantasía de los quesos frescos, del inestable gourmet y de los spas imaginarios. Vives en el mundo del vaso de vino tinto, del basmati y de las tostadas de queso con tomate y orégano. Vives en el mundo Zen del chocolate de la ira interior, de las ensaladas vitaminadas junto al mar y de la pseudo pasión alimentada. Vives en el mundo de los pescado y mariscos, de las cosas solo buenas y todas con vista panorámica. Vives en el mundo de los libros que no ayudan, en una teoría culinaria de gusto mediocre y en la loucura de las especias. Vives en el mundo de la ceguera de los postres de ego gigante, de los petit gâteau del desprecio, de la canela loca y de las tazas egoístas de chocolate. Vives en el mundo inseguro de los croissants, de la seducción felina de la falta de sal y de la danza con poca azúcar.
Pero no lo tomes a mal, que me ENCANTA todo eso, es solo que tengo una ligera pérdida de apetito ...


segunda-feira, 14 de março de 2011

Post 300







Se fizeres uma pausa numa vírgula,
uma pausa prolongada numas reticências... e parares num ponto.
irás, por ventura, entender-me... melhor.





sábado, 12 de março de 2011

angústia amorosa





"Vê-lá:
Eu é que caio e a tua mãe é que chora. Isto é que é amor..."




sexta-feira, 11 de março de 2011

idiossincrasias a preencher








El_ tem sido como um grão de areia na vaselina.



quinta-feira, 10 de março de 2011

Estados pré-parentais



- Estou?
- ...
- Olá! Então?
- ...
- Oh! A sério? Mas.. está tudo bem?
- ...
- Pois... com o meu é a mesma coisa. Coitadinho, passou o dia no sofá... não sei que lhe faça.
- ...
- Não diz nada, sempre cabisbaixo... até mete pena só de olhar.
- ...
- É como o meu... eu bem puxo por ele, mas nada.
- ...
- Amanhã levo-o ao veterinário.




sexta-feira, 4 de março de 2011

Espectativas




Hoje vai ser o dia... hoje é o dia!
Limpei a casa, lavei o chão, pus o nosso colchão no chão, fiz a cama de lavado, comprei velas... aquelas do cheiro... Tratei do jantar: o seu preferido! A nossa sobremesa, o seu vinho favorito... até fui buscar os copos grandes. Tudo em cima da mesa sobre uma toalha nova. Escolhi as músicas uma a uma, pensadas para a cadência da noite e escolhidas por serem todas nossas. Preparei as fotos, embrulhei a prenda e apaguei as luzes enquanto espero...

hoje não há nada para celebrar, mas hoje é o dia... hoje vai ser o dia!

Acho que não me esqueci de nada...



- Querido, desculpa, hoje não poder ir. Beijo.



quinta-feira, 3 de março de 2011

O extremista






A minha tristeza é a pior das tristezas e
nenhuma outra se compara a ela.

É o meu amor o mais intenso dos amores,
o incomparável dos sentires e
o melhor do que todas as coisas.
O meu amor, é o maior do mundo.

A minha dor,
por ela própria,
sozinha,
faz ferida e sangue e dor.
A minha dor é a mais dolorosa de todas as dores.

E a minha alegria,
quando acorda e aparece,
é aquela que transborda o mundo,
a que sai de mim e
toca de bom o sentir ao ouvi-la.
É o meu sorriso o mais alegre dos sorrisos.

Mas a minha crueldade sem medida,
destroi o mais puro dos corações.
Pela minha raiva cruel,
o mundo cai,
transforma-se e sofre.
É o poder da minha crueldade
que me mata numa frase:

"A minha tristeza é o meu amor, a minha dor e a minha alegria".
Até que eu morra!
(ou renasça)



quarta-feira, 2 de março de 2011

viagem do regresso




Encosto de cabeça e "há dias em que o mesmo caminho de todos os dias, demora mais do que nos outros dias".
Outro botão porque "está mais frio".
Caminho que custa "quando se deseja o mundo, até o mundo é pouco".
Um carro no meio dos carros: "hoje só desejo um carro"...
uma cara no meio das caras: "hoje só desejo uma cara"...
Os olhos no chão dos chãos e "Lisboa não tem nada para mim".
A cabeça no chão dos chãos e  "Lisboa não é uma mulher, é um fedelho cigano que pede e desaparece".
Mais um andar: "...só uma cara...".
Mais um passo: "...o mundo...".




- Olá.