sexta-feira, 18 de março de 2011

O equívoco





- É AQUELE ALI!, ouço eu agora, o que não ouvi então com a clareza que me arrepia as dores. Quando aqueles olhos de loucos se dirigiram a mim, aos meus, absortos e aéreos como de costume, foi o primeiro soco o que mais doeu. No chão, apenas em corpo, não ouvindo os insultos de tão longe que pairava, foi o primeiro pontapé o único que senti. Quando me levantaram, enquanto descia calmamente e me deixava levar pela inevitabilidade da minha morte, não pensava no equívoco, nem tão pouco tentava perceber porque ia morrer. Pareceu-me ser um pensamento inútil. A última coisa de que me lembro, foi o sabor a sangue na minha boca e da fome que tinha. Depois sonhei. Talvez aí tenha mesmo começado a morrer, mas acho que só sonhei... e sonhava enquanto morria. Não no porquê, não no como, não no que se passa, não no vou morrer
vou morrer                            vou morrer                            vou morrer,
não nas dores, não na fome, não na barriga vazia pontapeada, não nos olhos que não se abriam de inchados, não no sangue, nem no corpo que já não sentia. Sonhava com ela: com o seu sorriso, a sua cara a sorrir, o seu toque terno e em mim eterno, as minhas mãos no seu cabelo, as suas mãos, o seu cabelo, o seu corpo escultural, o calor do seu corpo no frio dos meus pés, o seu abraço em lágrimas, o seu abraço, as suas lágrimas, os seus lábios, a sua língua, o seu beijo,
vou morrer                            vou morrer                            vou morrer,
e a nossa morte.
No hospital, quando me foi visitar, disse-lhe que nunca mais nos iríamos ver.
E dizem que morri...



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