quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Mãos



Mais um dia num final de mais um dia: "encontramo-nos no café!".
Cheguei primeiro e esperei o chegar do cansaço: o cansaço que não dorme: sorrisos, silêncios, memórias de silêncios em sorrisos e o frio. A culpa que não foi nossa: o frio! a culpa foi do frio que nos fez dar as mãos e foi ela que mas aqueceu: memórias faladas.
Tudo continuava normal naquela esplanada de café: os cães não pararam de passar nas nossas pernas, a rua não parou de ser rua, a noite continuou mais noite: sorrisos sinceros, mais frio e mais mãos, as mesmas, outras, o inicio das mesmas mãos, o carinho escondido de um único dedo por toda a minha mão. Mais frio e mais mãos: os dedos dela nos meus: os meus dedos nos dela: a força dos seus dedos: a suavidade do toque: o constraste da sua pele na minha: o silêncio da rua sem cães e os seus lábios a quebrarem tudo. "Tens umas mãos muito bonitas": cega: silêncios sem palavras, horas de silêncio na minha cabeça sem forças para me mexer: a cabeça dela olhava as minhas mãos, o seu corpo olhava as minhas mãos, a noite olhava as minhas mãos, o café deserto olhava as minhas mãos, a rua olhava as minhas mãos, eu olhava as minhas mãos: o nada que não me obedecia. Só as minhas mãos me obedeciam: as minhas mãos apertavam as dela que me apertavam a mim e tudo o resto não me obedecia. A meio, um desobediente louco arritmado, ofegante e sem forças. Em cima, a estática que pensava: nunca ninguém me tinha dito que tinha umas mãos bonitas. Eu não sabia que tinha umas mãos bonitas e a cabeça que não nos obedecia. Olhávamos as minhas mãos: as mãos dela olhavam as minhas mãos: sorrisos felizes que compreendiam. A cara dela sorriu e caiu sobre as nossas mãos que eram um emaranhado de dedos: as nossas mãos eram uma mão: sorrisos que compreendiam a felicidade: as mãos que agora eram braços; os braços que agora eram corpos; os corpos que eram um corpo: O corpo que me obedeceu: Beijei-a por um segundo e ela beijou-me durante horas: sorrisos em silêncio sem memória.
A esplanada fechada na rua deserta da cidade calada, mil olhos que dormem no alto a ver um abraço de horas num beijo de felicidade: a beleza cega que fala: "és muito bonito": cega:  acabaram-se-me as palavras e acabou-se a noite antes de começar o dia e com a não luz da madrugada disse-me, "Vem comigo!".
Partiu sozinha no frio da manhã: voava naquele dia.

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