quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O pescador


(...)
-Não me resta mais nada, disse baixinho o pescador.
De tudo o que tinha, a única coisa que me resta é a imagem do mar e do céu, pois já nem a areia me sobra.
No cume de um, agora qualquer rochedo, mesmo que no topo, no alto de tudo, onde a visão do mundo é panorâmica, não espera que alguém o ouça e abandona a esperança de ser visto.
Juntos, pensa, nada proferimos com medo de corromper o momento, bastam sorrisos sinceros e vislumbres de mistério em silêncio. Sós, nada temos a dizer, e mesmo que o tivéssemos, este vento pouco quer saber ou ouvir sobre devaneios solitários, ou arrependimentos de quem vive agora num ermo.
Era o dia do seu aniversário, mas nem por isso deixava de o celebrar como um anacoreta, fugindo à norma e ao usual, como aliás sempre tinha feito desde que se lembrava de ter feito anos, refugiando-se antes na inimportância do significado que lhe atribuía, para não dar explicações sobre a falta de interesse no assunto.
Este ano, tinha resolvido retirar-se, mas completamente só, deixando as passadas quase singulares companhias deste dia, que sempre lhe despertaram uma inexplicável melancolia, outrora atribuída precisamente à sua singularidade e nunca ás pessoas, e fugiu. Fugiu para onde foi feliz, contrariando uma promessa pessoal, sem encargos para a consciência por só a ele poder acusar de incumprimento. Pela primeira vez, quebrou a promessa de não voltar e voltou aquele lugar, consciente do risco de modificar o fixo e o estipulado previamente como felicidade imutável.
Ele acreditava que os lugares, durassem o tempo que durassem, eram como as imagens: tornavam-se fixos e eternos, confortavelmente presos a uma representação, só alteráveis se revisitados. Nunca voltava onde já tinha sido, nem insistia onde não o tinha e, como para os lugares, também para os momentos. Mesmo assim voltou.
(...)

3 comentários:

maf disse...

... e como foi?!

João disse...

to be continued ;)

Há que ter cuidado, qualquer dia vamos na rua, olhamos para a montra de uma livraria e voilá! Um best seller com uma passagem escrita na capa por nós. Entramos, folheamos um pouco, e, 'mas quésta merda!? Este texto é meu!!'

Mas assim só para ti, em jeito de um 'teaserzinho', ainda demorou um pouco ao Sr. sair do nevoeiro no sítio onde já tinha sido feliz. Mas foi bonito. Mas custou... Mas foi muito bonito.

maf disse...

... e alterou para sempre o lugar? perdeu ou ganhou encanto? perdeu ou ganhou significado? o valor residia na unicidade dos momentos vividos? - acaba lá com ansiedade pf!