quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O pescador (cont.)


(...)
Sempre que se achou forte o suficiente para se contradizer caiu de fraqueza, para sempre se voltar a erguer, arrependido ou não, e continuar, igualmente forte ou mais fragilizado, mas até ali. Desta vez seria diferente, soube-o naquele instante. O medo de não guardar o passado, agora revisitado, era infundado e a mera presença naquele local fortalecia-lhe a memória ao nível do cheiro e do toque de tal forma que, quando fechava os olhos, via todas a tonalidades imprimidas do passado, deixando de sentir a chuva e o vento de agora, e a fraca visão do mundo a um palmo. Não o incomodava não ver, ali, já tinha visto tudo.
Deixou-se antes estar, sem tempo, durante horas, até não sentir mais o corpo de frio que, abandonando-o, fazia-o sem tremer. Antes de voltar, depois de reabsorver toda a memória daquele lugar, decorando-lhe o cheiro e as formas como se de uma mulher tratasse, guardando a indisposição negra e o mau feitio dela de agora, para juntar à beleza calma de antes, repetiu – Não me resta mais nada! E voltou pelo caminho que o trouxe, cabisbaixo, resignado com o destino, que o destino lhe tinha traçado.
Tinha-se apenas a si próprio para conversar enquanto voltava. Não podemos mudar o passado mas temos a capacidade de alterar o futuro, cavaqueou consigo inúmeras vezes sem conseguir imaginar uma qualquer resposta argumentativa. Era uma frase do passado, do dia em que tinha sofrido com a honestidade das suas palavras e cujo significado se perdera com os anos.
Sentia-se agastado pelas escolhas e pela sua própria incompreensão nelas. Era como se um qualquer plano divino, que obstinadamente não acreditava, lhe tivesse rotulado a solidão na alma, destinando-o ao isolamento afectivo do mundo.
Desde criança que tinha um gosto especial pelo lúgubre que, de tempos a tempos, incentivava e provocava forçadamente, com um prazer que chegava a considerar atroz pela perversidade do sentimento, mas que considerava ser imprescindível ao seu equilíbrio. Este e outros pensamentos de igual índole, assombravam-lhe a noção de normalidade da sua pessoa, mas nunca o deixando, até então, importunar-se por eles, porque conseguiu sempre encontrar uma âncora que o estabilizasse. Era dessa âncora que sentia falta. De uma sombra sem luz nem início, que a todos os momentos o acompanhasse e o fixassem à terra. Era tarde demais para tudo, pensava.
Chegava finalmente ao seu destino.
(...)

3 comentários:

maf disse...

está muito giro, joão! mas não acredito nada q o pescador, q contrariou as suas próprias promessas, simplesment s resigne a um destino vazio e desequilibrado. ;) qd parte em busca da âncora? & qt de ti está neste pescador?? ;)*

João disse...

calma calma!
É só uma história...
;)

Há partes melhores... mais alegres e mais felizes. Apeteceu-me por esta, um dia destes ponho o pescador de peixe na mão

obrigado pelo comentário

littlegirl disse...

gosto muito