quarta-feira, 25 de março de 2009

NowyWarszawa - Cap1 - O Pianista

The village awakes...

Aterrou e subitamente preocupava-se com a ausência de preocupações. Estava tudo demasiado normal e isso, não o tinha previsto. Mas lembrou-se que também não tinha previsto o contrário, não tinha previsto nada.
A viagem estava longe de terminar, por isso, deslocou-se no escuro da noite já conhecida e até agora estranhamente normal. Não estava só, e naquele momento, era algo que o confortava e o ajudava a passar, o que agora achava precipitado, mas outrora não o tinha sido. Longe disso.
O cenário mudava mais uma vez e embora não acreditasse, mas admitisse a sua existência, ficou espantado com a sorte, destino ou simplesmente acaso da nova companhia. O pianista. O pianista que falava como eles, com eles, para eles e com ele próprio. Um pianista que tinha pouco de músico e muito de artista, que tinha partido para o Peru e voltado mais músico, um pianista que trocou, a droga e o álcool, pelo piano e a levitação e agora viajava com eles. O pianista contava histórias que os faziam rir mas que por respeito não o faziam. O pianista dizia que tinha adormecido e sonhado que não se podia mexer, dizia que era a alma dele que vagueava... O pianista falava de coisas que ele próprio só tinha descoberto à pouco e isso fê-lo esquecer a precipitação e relembra-lo que existem coincidências, embora não acreditasse nelas. O tempo estava alegremente a correr e três horas tinham voado.
Tempo de parar o tempo, na última hora do pequeno primeiro capítulo e tentar dormir a primeira hora de viagem.
O calor quase insuportável, mas destinado, supostamente ao conforto, não os deixa dormir. O pianista dorme agora, de alma serena e sem levitar.
Altura de sair e reatar uma antiga realidade. Na mesma tudo normal. De repente, um aperto no coração, um injectar de adrenalina em doses fora do normal. A carteira ficou no comboio! Deixa tudo no chão e corre sem pensar no meio de uma estação parada à espera que algo aconteça a olhar meia indiferente meia surpreendida por alguém correr tanto e tão preocupadamente no meio dela. Escadas inteiras tornam-se pequenos degraus e escadas rolantes tornam-se passadeiras. O comboio ainda está parado mas assim que o avista ouve um som tenebroso, o apito a assinalar que o comboio pode andar que tudo está bem para começar a viagem. Mas não está, por isso pede ao dono do apito que se encontra ao longe, na linguagem mais universal que conhece, a gestual, como quem pede um desconto de tempo a meio de um jogo, para esperar e sem aguardar confirmação, entra. Não reconhece a carruagem e depressa se apercebe que é por não ser a correcta. Salta. Sai, novamente a gesticular para o apito, agora mais perto e entra na carruagem seguinte. Apesar das 20h de viagem, praticamente sem descanso, concentra-se para se recordar da cabine correcta. Acerta à segunda mas já está ocupada por alguém que já dorme, aparentemente confortável. Novo aperto no coração. Não encontra nada. A sensação de que o comboio já se encontra em movimento é constante mas o mais importante de tudo é a sua carteira. Todo o dinheiro, os cartões, a identificação, a sensação de não poder sair daquele país até ter uma nova, o dinheiro, os cartões, os talões, as recordações. Tudo. E de repente, como que acabada de ser colocada por alguém naquele mesmo instante, ali está ela. Em cima do banco onde já a tinha procurado antes, onde à uns minutos atrás tinha descansado os pés. Serena, à vista de todos, em cima de um banco.
Sai a voar, banhado em suor e ainda agitado, mas desta vez, numa agitação de alívio. Repara que está a tremer quando sobe a mão para agradecer ao apito, agora já junto dele. Mil e um agradecimentos e um afagar nas costas chegam. O apito, sem expressar qualquer emoção, acena com a cabeça e novamente apita e o comboio segue e também ele segue, agora calmamente, até às malas que ficaram no chão da estação...

1 comentário:

littlegirl disse...

Xiça. Ainda estou com a respiração acelerada!
Que maravilhoso texto! Mto bom mesmo.

´Tá com uma expressividade e emoção... Xiça. Enquanto lia, parecia que estava a ver um filme. Não. Parecia que estava lá, a viver a cena. Um começo nostálgico, com um desenvolvimento tão enérgico que fiquei mesmo alterada.

Vou ali ao sofá recuperar ;)