sexta-feira, 28 de outubro de 2011

المغرب‎ - Marché des Caravanes, nr. 19: Vous connaît la crise mondiale ?




Quando nos voltamos a reunir com Hammi, pedimos-lhe que no regresso nos leve onde comprar o chá de todo o Marrocos. Leva-nos a Rissani, a um antigo bazar de produtos alimentares, onde compramos todo o chá que vamos querer consumir e oferecer.
Perante a enorme agitação da cidade, Hammi explica-nos o movimento fora do normal, pelo decorrer do mercado tri-semanal e pela feira dos burros mensal. Centenas de burros estacionados, à espera de serem comprados por 100€ cada. A curiosidade impôs-se de imediato: "Et le dromedaire?". 1000€ e vendem-se uma vez por mês. Neste momento ficamos a saber o valor da Ana, pela qual ofereceram 20 dromedários. Antes de voltarmos ao jipe, perguntamos a Hammi sobre a possibilidade de entrarmos no mercado à nossa frente. Hammi hesita, olha para a entrada do mercado e diz que podemos ir se quisermos, mas que ele não pode abandonar o jipe. A polícia pode aparecer.
Entramos no mercado dos mercados, onde tudo se vende numa aparente confusão de produtos e pessoas. Fruto de como a televisão e as notícias nos apresentam parte do mundo árabe, a minha desconfiança aqui é maior do que nos outros sítios. Estamos por entre becos minúsculos, completamente rodeados de estranhos que nos parecem olhar com desconfiança. Talvez com a mesma aparente desconfiança que olharia para uma mulher de burka no meio de um nosso mercado municipal, mas que não seria mais do que a estranheza pela sua presença. Neste sentimento de empatia, destruo toda a desconfiança e torno-me imune aos olhares, sorrindo sempre em cada passo. Vários comerciantes revelam-se surpreendentemente simpáticos, ao cumprimentarem-nos, convidarem-nos a comprar qualquer coisa no seu espaço, ou simplesmente indicando as diferentes áreas do mercado que podíamos visitar. Uns oferecem o seu canto para tirar uma fotografia, outros, mais sérios, impedem vivamente qualquer tentativa. Um sorriso e um pedido de desculpa e prosseguimos por entre a carne exposta ao ar repleta de moscas, tâmaras a secar, roupa, pequenos produtos electrónicos chineses, chinelos, fruta, especiarias e tudo o que um Berbere poderá querer comprar, num mercado que parece ter tudo. Aqui, como em quase todos os outros locais, a interpelação é a mesma:
- Portuguixe? bátátáfrita.
E uma nova:
- Lixboa? Benfica!
Ao voltarmos, antes de sairmos, Pedro lembra-se que precisa de comprar tabaco e ofereço-me para voltar atrás com ele. Encontramos Ismael, um árabe que nos tinha acompanhado pelo mercado, mesmo perante a nossa indiferença, farta de compras impingidas. Agora, com pressa, pergunto-lhe onde podemos comprar tabaco. Sigam-me, responde. E sigo-mo-lo por entre o labiríntico mercado. Enquanto Pedro compra tabaco, Ismael explica-me que tudo o que tem vestido, incluindo um relógio da Nike, foi trocado com estrangeiros. A camisa e as calças da Toyota foi trocada, os sapatos foram trocados, tudo foi trocado. Não consigo evitar uma gargalhada e faz questão de dizer que fala muito a sério. Num riso, recuso-me a trocar de roupa com ele e pede-me que pelo menos tiremos uma foto da loja dele, para que possamos fazer publicidade em Portugal. Devolvemos a amabilidade de nos indicar onde comprar tabaco, aceitando.
Entramos para uma de três salas da loja, onde expõe um largo número de bugigangas e muitos dos típicos souvenirs marroquinos. Tira vários colares de uma gaveta e coloca-os em cima de uma mesa, enquanto comento com o Pedro que fomos só comprar tabaco há 10 minutos e ainda não voltámos. Responde-me com a escolha de um pequeno tambor de uma das prateleiras. Perante o interesse, de imediato entra o dono da loja, bastante mais velho que Ismael, pronto a fazer negócio com um fantástico tambor de pele de dromedário, muito resistente ás elevadas temperaturas. Ismael pede-me para o acompanhar a outra sala. Uma sala rectangular, com estantes do chão ao tecto repletas dos mais variados tipos de tapetes em todas as paredes e todo o centro da sala vazio. Pedro e o dono juntam-se nós e num sorriso que transparece a grande amabilidade e esconde ao máximo o vendedor, o dono diz-me:
- Estes são os nossos produtos, não têm que comprar nada, gostava só que vissem e se não estiverem interessados, pas de problem.
Começa a retirar tapetes que vai estendendo no chão.
- Este tapete é de seda com lã (1º). Podem reparar na qualidade superior.
E estende um bonito tapete em tons de amarelo, bem trabalhado, aparentemente de boa qualidade para o meu olho não especialista.
- Este, é de lã (2º). Não tão bom.
Confirmo com o olhar que é notória a diferença de qualidade.
- E este é de fraca de qualidade (3º), como se pode reparar pelos pespontos e o fraco acabamento.
E entende-o no chão, com indiferença por aquela pobre peça.
Ismael passa-lhe um pequeno caderno já escrito e uma caneta e o dono escreve-me o preço dos três tapetes:
1º 1600 DH
2º 980 DH
3º 560 DH
Passa-me o caderno para as mãos e pergunta-me:
- Quando aqui entraste, quando olhaste para todos estes tapetes, qual foi o primeiro valor que te veio à cabeça? O primeiro de todos!
Na folha de papel quadriculada do pequeno caderno escrevo 200 e devolvo-lhe o caderno.
- Muito bem. E o preço com o tambor?
Passa-me novamente o caderno, olho para o Pedro, escrevo 250 e devolvo-lhe o caderno.
- Ok. Escreve-me o teu máximo possível pelo tambor e pelo tapete.
O dono não revelava qualquer emoção de surpresa ou indignação sobre as ofertas que eu ia escrevendo. Limitava-se a sorrir, interrompendo por vezes a venda para afirmar que podíamos eventualmente não chegar a um acordo, mas que não havia qualquer problema. Uma espécie do nosso, amigos à mesma.
Ismael interrompe e do outro lado da sala pergunta-nos:
- Chá com ou sem açúcar?
Tratando-se de um negócio, o chá era óbvio e obrigatório, a única questão era o tempero.
Para definir o máximo possível voltei a olhar para o Pedro que me responde em silêncio, num olhar cúmplice que retrato na folha de papel quadriculada: 300.
- Não pode ser! O máximo! Aquilo que é mesmo o máximo!
E apercebendo-se da minha troca de olhares para o Pedro, rouba-me o caderno das mãos e dá-o ao Pedro. O máximo dos máximos: Mais dois euros e escreve 320. O dono faz um ar sério e diz:
- Uma proposta séria!
Fazemos uma contas rápidas em voz alta, falamos um pouco de português com uma voz universalmente indignada e Pedro sobe um euro: 330. O dono solta uma genuína gargalha e diz-me que posso ir embora porque vai ficar a negociar com o Pedro. Esboço um leve sorriso e ele retira novamente o caderno das mãos do Pedro e pergunta-me:
- Vous connaît la crise mondiale ?
- Conheço muito bem!
E soltamos os três uma enorme gargalhada.
- Ok. Escreve aí a tua proposta final. Aquela que ou é ou não é. O que escreveres, ou aceito, ou amigos à mesma. A tua proposta final!
Pergunto a Pedro quanto quer pagar pelo tambor, fazemos contas e decidimos o nosso máximo. Escrevo 350 e devolvo-lhe o caderno.
O dono gesticula, fala em Árabe como se já não estivéssemos na sala, pressiona o topo da caneta fechando-a e guarda-a no bolso, continuando aquilo que não conseguimos compreender. O negócio terminou. Tinham passado mais de quarenta minutos desde que fomos "só ali comprar tabaco" e podíamos finalmente regressar. Imaginava a preocupação de quem nos esperava.
- Ok. Fechado! Mas com uma condição! Têm de fazer publicidade sobre nós em Portugal e junto dos vossos amigos. Sem compromisso, claro.
Ismael acompanha-nos à saída. Dá-nos um aperto de mão e deseja-nos boa viagem.
Ana estava dentro do jipe com Hammi. Aparentemente, teve que se refugiar da multidão que a começou a cercar, cada vez mais próxima dela e da sua beleza ocidental de ombros destapados.
Partimos em direcção a Ouarzazate.


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