segunda-feira, 4 de abril de 2011

dramático leproso




Estragou-se-me a música e foi assim mesmo que a decomposição começou: Estragou-se-me a música que me era tudo e agora nada ouço. Estragou-se-me o mundo por detrás da lente e agora tento-o guardar por mim. Por mim! que nem me recordo dos minutos anteriores a este. Estragou-se-me a comida que me fazia crescer e agora mirro. Estragou-se-me o sol que era de todos, depois nosso e agora só teu. E no final de tudo isto, estragou-se-me os dias, para que cada dia se arraste, sem o som solarengo por detrás da lente do mundo insípido e sem sabor.

E agora, a minha música é o meu silêncio. Os retratos, tiro-os para mim, de olho direito fechado, à espera que a minha fraca desculpa de cabeça os guarde por mais um dia ou outro. A minha comida, para o mal do meu interior, sou eu que a faço, sem sal nem gosto. A minha luz, é escura e fraca, ausente de calor que também esse ficou estragado. Como um leproso, vivo avelhentado pelo meu estado de putrefação invisível, corrompido pela ausência da luz e carência de nutrientes, numa doença mental, incómoda e nojenta que se revela na pele. A pele da minha pele que se escama, que cai de podre em pouco, pouco a pouco, de cada vez, em pedaços podres, senão já mortos, para remoçar a casca e reaparecer, não das cinzas (que não voo) mas da carne podre que sou e se amontoa.
E os meus dias, são tudo isto, mais um pouco.



1 comentário:

Alda disse...

Um Poente Triste

Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?

Alberto Caeiro