domingo, 26 de fevereiro de 2012

L.M.F.C.P.


Como é que se diz a um irmão que o seu irmão acabou de morrer. Com que frieza se engole em seco e se diz, o tio morreu. Com que forças para não chorar o mundo num rio se consegue aguentar, quando nos pedem para repetir, porque não ouviram, porque não podem ter ouvido, porque o que parece terem ouvido é impossível, porque é do mais novo de 5 que fala, o último e, por isso, também será sempre o último a ir. O tio morreu. Se tivesses largado uma lágrima não teria tido força para mais nada senão ficar imóvel a ver-te. Se calhar, é de ti a força que se instala nesta garganta que engole em seco, a mesma força com que informo a minha mãe, a força que a minha mãe não tem porque me pergunta mais vezes o que acabei de dizer, e repete, e me pergunta o que lhe acabei de dizer, a força que não tem porque a perdeu toda naquele instante, porque também ela não percebe nem acredita. Mas foi a tua força que quebrou mais tarde o silêncio. Eu, que nunca me calo mas tanto gosto da ausência do som, nunca um silêncio me calou tanto.
Como é que se perde um tio sem se pensar num pai. Como é que se perde um pai sem se pensar num pai. Como é que se pensa quando se perde um marido e como é que se entende quando ninguém explica porque é que acontece o que acontece. Como é que tens tanta força junta para conseguires a ousadia de te sentares assim nesse sofá, com essas lágrimas de coragem.
Voltou a ser natal: todos. Menos um.
"Um choque"; "Não valemos mesmo nada"; "Foi como ele queria que fosse". Mas eu não sei dizer essas coisas, nem sei chorar à frente dos outros. Não foste tu que me ensinaste que mais vale fugir para um canto, mas foi contigo que aprendi a desaparecer para a sombra mais densa de um cedro, para um escuro alheio do mundo e, principalmente, de todos. Esconder um rio de mãos tapadas e voltar a ser uma barragem. Foi só um pequeno riacho, não te preocupes e só nós os dois é que sabemos isso.
O mundo não parou mas o tempo não passa e despedimos-nos, um de cada vez, no desconforto da incerteza do dia certo do regresso, mas na única certeza que não cabe cá dentro de tão certa: tio morreu.



3 comentários:

V disse...

"Quando se é uma flor que está plantada numa estrela, é bom olhar para o céu, à noite. É que todas as estrelas ficam floridas...Depois, à noite, pões-te a olhar para as estrelas. A minha é pequenina demais para se ver daqui. Mas é melhor assim: para ti, a
minha estrela vai ser uma estrela qualquer. Assim gostas de olhar
para as estrelas todas... Todas elas serão tuas amigas. ( ... ) Principezinho
Um Beijinho muito Grande e força para o Caminho!*

Mãe disse...

Filhote querido
Vim aqui espreitar...este texto/ homenagem neste momento difícil das nossas vidas...de novo um aperto no peito e as lágrimas a forçarem a saída, agora que já fingia voltar a uma normalidade impossível.
Todas menos um...é difícil de aceitar ...um elo tão forte fraquejou mas façamos força para que não quebre.Muito permanecerá nos nossos corações doridos para além da dor da perda.
bj grande
Mum

Francisca disse...

È uma grande perda de facto, e uma tristeza enorme perder um familiar como era o tio.