terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


- É essa a beleza da mentira, basta fazê-lo uma vez para espalhar desconfiança infinita. Diz-me, como explicas a paixão actual por esse vício? Como explicas o teu fascínio? Há quem diga que é falta de fé, não é?
- É... sem dúvida.
- As pessoas dizem-me: "Teve tanta sorte, teve fé". Mas Estaline teve fé, o Hitler teve fé. Seria maravilhoso acreditar no nascimento virgem? Não me parece. Ou que as árvores falam connosco? Isso não mostraria que somos loucos? A fé não tem valor por si só. É naquilo em que temos fé que importa... e eu tinha fé.
- ...
- Disse-te que ontem à noite dormi no jardim da Gulbenkian?
- Como?
- Ontem à noite dormi no jardim da Gulbenkian debaixo das estrelas.
- Isso é legal?
- Não é ilegal. Afinal, não é isso o que os homens fazem quando discutem com as mulheres?
- Sabes porque discutimos?
- Deitei-me debaixo das estrelas, as estrelas brilharam por cima de mim. Senti a terra a mover-se debaixo de mim, o planeta a deslocar-se através do espaço. Fiquei deitado a ouvir os ruídos da noite, a pensar em ti, na cama a uns quilómetros de distância. Pensei nas muitas noites que passámos, contigo a tremer de sofrimento, à passagem do efeito para a euforia para, finalmente, a calma. Porque discutimos? Discutimos acerca do amor. Eu tive uma ideia. Durante anos tive uma ideia, uma ideia do que o amor pode alcançar. Foi uma tolice, não serviu para nada. Sim, discutimos ontem à noite. Discutimos como nunca fizéramos na vida. Foi como se surgisse a raiva de uma vida e nos agarrasse pela garganta.
- Acusaste-me de ser fraca e insegura e eu defendi-me.
- Fizeste-o. Defendeste-te muito bem.
- Sim, foi por isso que discutimos. Foi por isso que a discussão começou.
- A discussão desenrolou-se a partir daí.
- Alguma dia estaremos curados?
- Era essa a dúvida...
- Não. No fundo, sei no meu coração que esta doença é para a vida toda. Pedi que aceitasses isso, preciso que o aceites. Não posso ser quem queres que eu seja. Tentei e não consigo. Não consigo. Tive sorte em conhecer um homem... conheci um bom homem, conheci-o, amei-o, ou melhor, tentei amá-lo. Continuo a tentar. E continuarei...
- ...meu amor!


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